IA no Setor Público: como governos podem usar inteligência artificial para entregar mais, melhor — e com mais confiança
- Edson Pacheco
- 1 de set.
- 4 min de leitura

A inteligência artificial está transformando a forma como empresas operam, tomam decisões e entregam valor. Mas seu impacto vai além da esfera privada: governos, prefeituras e órgãos públicos também estão diante de uma grande oportunidade de aumentar a eficiência, melhorar serviços e transformar a relação com o cidadão.
Em um país como o Brasil — continental, desigual, com grandes desafios de gestão — o uso estratégico da IA pode ser a chave para vencer gargalos históricos com inovação, escala e inteligência operacional.
Segundo a McKinsey, os governos que adotam IA de forma estruturada podem reduzir em até 30% o custo de processos administrativos e, ao mesmo tempo, aumentar a qualidade percebida dos serviços públicos.
De fila a fluidez: onde a IA pode gerar impacto real na gestão pública
Enquanto no setor privado a IA é frequentemente usada para ganho competitivo, no setor público o foco está em ampliar o acesso, reduzir desperdícios e melhorar a experiência do cidadão.
Algumas áreas com alto potencial de impacto incluem:
• Atendimento ao cidadão com agentes conversacionais (chatbots e voicebots) capazes de esclarecer dúvidas, emitir guias, marcar atendimentos e evitar deslocamentos desnecessários;
• Saúde pública, com triagem automatizada, análises preditivas de surtos e uso de IA para agilizar processos de regulação e filas SUS;
• Educação, com personalização de trilhas de aprendizagem, identificação de evasão escolar e apoio à gestão pedagógica;
• Gestão de contratos, auditorias automatizadas e cruzamento de dados para prevenir fraudes;
• Infraestrutura e mobilidade urbana, com agentes que otimizam o uso de sensores, câmeras e dados abertos para melhorar o fluxo de trânsito, identificar buracos, planejar manutenção preditiva e sinalizar ocorrências em tempo real.
Casos de sucesso ao redor do mundo — e no Brasil
A adoção de IA no setor público já é realidade em países desenvolvidos e começa a ganhar força também em governos locais no Brasil.
Estônia
A Estônia é referência global no uso de IA para serviços públicos. O país conta com mais de 80 agentes de IA integrados aos seus sistemas digitais. Um exemplo é o Kratt (https://www.kratid.ee/en/tehisintellekt), um ecossistema de agentes conversacionais interoperáveis, que permite aos cidadãos resolverem questões complexas sem burocracia — da matrícula escolar ao pagamento de impostos.
Singapura
Com o programa Smart Nation (https://www.smartnation.gov.sg/), Singapura utiliza IA para vigilância inteligente, triagem médica digital e previsão de fluxos urbanos. A Accenture destaca que o uso de IA em processos governamentais elevou em 50% a satisfação da população com os serviços.
Brasil: sinais promissores
Recife – Conecta Cidadão e Cartão do Idoso automático (com Google Cloud)
A plataforma Conecta Cidadão usa IA para cruzar dados e automatizar serviços. Um exemplo prático: mais de 14 mil idosos foram notificados automaticamente sobre o direito ao Cartão do Idoso, sem precisarem solicitar.
Espírito Santo – Assistente virtual “Lia” no portal ES.GOV (com AWS)
O Governo do ES integrou 660 serviços públicos em um portal com IA. A assistente Lia já fez mais de 2,5 milhões de atendimentos automatizados, como agendamentos e emissão de guias.
Receita Federal – Receita Analytics para combater fraudes
A Receita desenvolveu o Receita Analytics, com IA e análise de redes complexas. A ferramenta ajudou a recuperar R$ 5,3 bilhões em fraudes aduaneiras entre jan-out/2024, com mais de 90% de acurácia.

Esses exemplos indicam que o Brasil já possui capacidade técnica e demanda concreta — falta escalar as boas práticas com estratégia nacional.
A realidade brasileira: desafios e oportunidades
Implementar IA no setor público brasileiro exige navegar por um contexto específico:
• Sistemas fragmentados, muitas vezes com baixa interoperabilidade entre plataformas municipais, estaduais e federais;
• Falta de estruturação de dados, com registros incompletos ou inconsistentes;
• Capacitação limitada, com equipes públicas que precisam ser preparadas para trabalhar com tecnologia e entender seus limites;
• Desconfiança do cidadão, que exige transparência e proteção de dados.
Por outro lado, o país tem ampla cobertura digital (mais de 80% da população conectada), centros técnicos de excelência (como universidades e hubs de inovação) e uma crescente comunidade de desenvolvedores interessados em causas públicas.
A Deloitte aponta que países emergentes que criam ambientes institucionais e jurídicos adequados para a IA podem “dar saltos” de eficiência — mesmo sem recursos abundantes. Mas para isso é preciso visão, governança e coragem para romper com modelos ultrapassados.
Para funcionar, precisa ser seguro: os cuidados fundamentais
A implantação de IA no setor público precisa de rigor técnico e responsabilidade ética. Algoritmos mal desenhados, sem supervisão humana, podem reproduzir vieses, excluir populações vulneráveis ou tomar decisões opacas.
Alguns princípios essenciais incluem:
• Explicabilidade: agentes devem ser auditáveis e ter decisões compreensíveis por humanos;
• Privacidade e LGPD: todo uso de dados precisa respeitar o marco legal e os direitos do cidadão;
• Segurança cibernética: agentes precisam operar em ambientes seguros, com proteção contra vazamentos, ataques e manipulações;
• Governança multissetorial: incluir sociedade civil, universidades e especialistas para garantir pluralidade na definição dos usos da IA;
• Mitigação de vieses: os modelos devem ser monitorados continuamente para evitar discriminações com base em raça, gênero, renda, localização ou qualquer outro critério injusto.
Conclusão: IA como motor de um Estado mais eficiente, humano e digital
Mais do que uma promessa tecnológica, a IA representa uma oportunidade histórica para transformar a máquina pública brasileira em uma estrutura mais leve, responsiva e centrada no cidadão.
Com uma agenda nacional bem coordenada, estímulo à inovação local e foco na aplicação ética e eficiente da IA, o Brasil pode deixar de correr atrás — e passar a liderar.
Referências
• McKinsey & Company (2023) – How AI can deliver value to governments
• Deloitte (2024) – Government Trends: The Rise of the AI-Enabled State
• Accenture (2022) – Public Service Futures: Reimagining Government with AI
• ThoughtWorks (2024) – AI Ethics in Public Systems
• BCG (2023) – AI in the Public Sector: Building a Smarter State
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